A Constituição Federal garante que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5º, LVIII).
Regulamentando a ressalva constitucional, primeiro nasceu a Lei 9.034/95:
“Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.
Em seguida veio a Lei 10.054/00:
“Art. 3o O civilmente identificado por
documento original não será submetido à identificação criminal, exceto
quando: I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio
doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou
grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade
sexual ou crime de falsificação de documento público; II – houver
fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de
identidade; III – o estado de conservação ou a distância temporal da
expedição de documento apresentado impossibilite a completa
identificação dos caracteres essenciais; IV – constar de registros
policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; V – houver
registro de extravio do documento de identidade; VI – o indiciado ou
acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação
civil”.
Ambas foram revogadas pela Lei 12.037/09 que, no seu art. 3º, anuncia:
“Art. 3º Embora apresentado documento de
identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I – o
documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o
documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o
indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos,
com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for
essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade
judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação
da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa (destacamos);
V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou
da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a
completa identificação dos caracteres essenciais”.
Nesses casos, portanto, a identificação
civil, por meio de documentos ordinários (carteira de identidade,
carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de
identificação funcional outro documento público que permita a
identificação), é acompanhada de identificação criminal, leia-se,
papiloscópica (que se utiliza das papilas, das curvaturas facilmente
observadas em nossa pele), bem como a fotográfica.
Com o advento da Lei 12.654, de 28 maio
de 2012 (com vacatio de 180 dias), ao art. 5º da Lei 12.037/09 foi
acrescido um parágrafo, autorizando, nas hipóteses do art. 3º, inc. IV
(essencial para a investigação criminal), a coleta de material biológico
para a obtenção do perfil genético do investigado.
“Art. 5o ……………………………………………………………..
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação
criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção
do perfil genético.”
O espírito que norteou a nova lei
certamente foi o de que a identificação papiloscópica (ou mesma a
fotográfica) nem sempre é certa, única e inconfundível, podendo ser
modificada ou apagada por meio de cirurgia ou ação do tempo (idade).
Criou-se, então, a possibilidade de a autoridade se valer da genética
forense, área que trata da utilização dos conhecimentos e das técnicas
de genética e de biologia molecular no auxílio à justiça.
Apesar de ignorada no Direito Criminal, a
identificação humana pelo DNA já vinha sendo aplicada em larga escala
nos testes de paternidade, estudo que alcança a impressão digital do DNA
do indivíduo, revelando seu código genético (único e inconfundível).
A redação do artigo não deixa dúvidas de
que se trata de instrumento facultativo, cabendo ao Magistrado julgar
sua necessidade diante do caso concreto, podendo agir de ofício ou
mediante provocação da autoridade policial, do Ministério Público ou da
defesa.
A possibilidade de o juiz, ainda na fase
de inquérito policial, poder agir de ofício, será, obviamente, palco de
críticas, mesmo porque, ao que tudo indica, a identificação genética
servirá, quase sempre, na apuração da autoria. A tendência do sistema
acusatório é o magistrado ficar equidistante na fase extraprocessual,
postura seguida pela Lei 12.403/11 que o proibiu de decretar preventiva
na etapa da investigação.
O uso e armazenamento desses dados foram
objetos de preocupação do legislador que, nos arts. 5º-A e 7º-A,
acrescidos à Lei 12.037/09, dispõe:
“Art. 5º-A. Os dados relacionados à
coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de
perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.
§ 1º As informações genéticas contidas
nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços
somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética
de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre
direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.
§ 2º Os dados constantes dos bancos de
dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil,
penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua
utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão
judicial.
§ 3º As informações obtidas a partir da
coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo
pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.”
“Art. 7º-A. A exclusão dos perfis
genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido
em lei para a prescrição do delito.” “Art. 7o-B. A identificação do
perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme
regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”
Por fim, a Lei 12.654/12 acrescentou o art. 9º-A (com dois parágrafos) à Lei de Execução Penal:
“Art. 9º-A. Os condenados por crime
praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa,
ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei no 8.072, de 25
de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do
perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucleico,
por técnica adequada e indolor.
§ 1º A identificação do perfil genético
será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser
expedido pelo Poder Executivo.
§ 2º A autoridade policial, federal ou
estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito
instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil
genético.”
Percebe-se que, no caso dos condenados
por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra
pessoa, ou por qualquer dos crimes etiquetados como hediondos ou
equiparados, a identificação do perfil genético é obrigatória, mediante
extração de DNA, devendo seguir técnica adequada e indolor.
Chama a atenção que, nesses delitos, a
identificação genética do condenado não serve para qualquer investigação
criminal em curso (podendo subsidiar investigação futura), muito menos
para esclarecer dúvida eventualmente gerada pela identificação civil (ou
mesmo datiloscópica), tendo como fim principal abastecer banco de dados
sigiloso, a ser regulamentado pelo Poder Executivo.
A inovação, nesse ponto específico
(obrigatoriedade do fornecimento de material), nos parece
inconstitucional (enquanto enfocada como obrigatoriedade no fornecimento
de material genético).
A Carta Maior elenca, no art. 5º, como garantias fundamentais de todo cidadão:
a) não ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (LVII);
b) quando preso, ser informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado… (LXIII).
Dessas garantias constitucionais resulta
(por meio do princípio da interpretação efetiva) outra, qual seja, de
não produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere), direito
implícito na CF/88 e expresso no art. 8.2 da Convenção Americana de
Direitos Humanos (toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor
contra si mesma, nem a confessar-se culpada), da qual o Brasil é
signatário.
Diante desse quadro, ao se obrigar
alguém a fornecer material para traçar seu perfil genético, mesmo que de
forma indolor, é constrangê-lo a produzir prova contra si mesmo.
Deve ser lembrado que a mesma discussão
foi travada com a edição da “Lei Seca”, tendo o STJ decidido (seguindo
precedentes do STF) que o motorista não pode ser obrigado a participar
do “teste do bafômetro” ou fornecer material para exame de sangue, sob
pena de violar a garantia da não auto-acusação.
Conclusão: o condenado (ou investigado
ou acusado) pode se recusar a fornecer o material para a identificação
do seu perfil genético. Alertamos, no entanto, que o Estado não
está impedido de usar vestígios para colher material útil na
identificação do indivíduo, como aconteceu no emblemático caso
“Pedrinho”, criança sequestrada no hospital em que nasceu, tendo o crime
se mantido oculto por décadas.
Apesar de os envolvidos terem negado
fornecer material (DNA) para a investigação, Roberta Jamily, irmã de
Pedrinho e também suspeita de ter sido sequestrada quando criança,
depois de ouvida na Delegacia, deixou resto de cigarro no cinzeiro do
Distrito Policial. O delegado recolheu o material (contendo a saliva de
Roberta) e o encaminhou à perícia técnica fazer o exame de DNA. O
resultado do exame confirmou que Roberta não era filha de Vilma, a
mulher que a criou. Solucionou-se o mistério: Vilma sequestrou seus
“filhos”.
O exame de DNA, obtido sem o consentimento de Roberta foi contestado pela defesa, mas julgado válido pelos Tribunais.
Partes desintegradas do corpo humano:
não há, nesse caso, nenhum obstáculo para sua apreensão e verificação
(ou análise ou exame). São partes do corpo humano (vivo) que já não
pertencem a ele. Logo, todas podem ser apreendidas e submetidas a exame
normalmente, sem nenhum tipo de consentimento do agente ou da vítima. O
caso Roberta Jamile (o delegado se valeu, para o exame do DNA, da saliva
dela que se achava nos cigarros fumados e jogados fora por ela) assim
como o caso Glória Trevi (havia suspeita de que essa contora mexicana,
que ficou grávida, tinha sido estuprada dentro do presídio; aguardou-se o
nascimento do filho e o DNA foi feito utilizando-se a placenta
desintegrada do corpo dela) são emblemáticos: a prova foi colhida
(obtida) em ambos os casos de forma absolutamente lícita (legítima) (cf.
Castanho Carvalho e, quanto ao último caso, STF, Recl. 2.040-DF, rel.
Min. Néri da Silveira, j. 21.02.02).
Não se pode ignorar, de outro lado, que o
art. 6º do CPP não só determina o isolamento do local para que não haja
alteração ou supressão de nenhuma prova, mas também dispensa o
consentimento de quem quer que seja na coleta e exames dos vestígios do
crime.
* Professor da Escola Superior do MP-SP.
Professor de Direito penal e Processo penal na Rede de Ensino Luiz
Flávio Gomes – Rede LFG e Promotor de Justiça em São Paulo.